Fluxo de Consciência
Praga, República Tcheca – 27 de outubro de 2075.
Tenho 87 anos, ainda não desencarnei deste plano, mas tenho consciência que tenho menos anos de vida pela frente do que eu gostaria de aceitar.
Hoje, da janela onde me encontro, vejo o Orloj, o fascinante relógio astronômico medieval da Old Town aqui em Praga. O mostrador ainda mostra a posição do sol e da lua no céu, mas a “caminhada dos apóstolos” a cada troca de hora deixou de acontecer já há muito tempo.
Pouco mais de 50 anos atrás eu via o Orloj pela primeira vez, coincidentemente no momento em que o sol e a lua, estavam na mesma posição que estavam no dia em que eu nasci. Era meu aniversário de 35 anos, se não me falha a memória.
Alguém me fotografou em um ângulo que enquadrava o relógio e minha tatuagem que representava meus signos astrológicos – o sol em Capricórnio e a Lua em Aquário. Queria poder rever essa foto, mas ela se perdeu durante minhas andanças.
Olho minha tatuagem agora, e lembro das pessoas que diziam “Como vai ser quando ficar velha?”. Ora, sou uma velha cheia de borrados, que no passado chamava de “meus rabiscos”. Ainda sou apegada aos seus significados, até porque, tenho ascendente em Câncer, apesar da fria dupla capri-aquario em sol e lua.
Mas esta não é uma memória de astrologia. Acabei divagando no meio, mas vamos retomar…
Quando conheci o Orloj, estava mudando de país pela 3ª vez em menos de 2 anos. E mudei de país uma infinidade de vezes mais depois disso, numa eterna dança entre a insegurança e a liberdade, para fazer valer tudo aquilo que eu acreditava aos 30 e poucos anos.
Eu e meu esposo, um homem que conheci cheia de desconfiança no país n° 2, estabelecemos como lar o litoral da Espanha, mas o máximo que conseguimos ficar “em casa” durante todos esses anos, foi cerca de 5 meses. No fim das contas, nossa casa também é a estrada, porque, guess what, nosso trabalho acontece nela.
Agora, enquanto olho a antiga Praga pela janela, me lembro de quando escrevi este texto pela primeira vez. Faz exatamente 54 anos. Eu ainda não tinha mudado sequer para o país n°1 – em crise porque estava deixando para trás todos os meus discos e livros, e com a promessa de que voltaria para resgatá-los assim que me estabelecesse em um lugar fixo.
Estou rindo de mim mesma com essa lembrança. Os livros e os discos (salvo poucas exceções que carreguei a tiracolo pelo mundão – já disse que sou apegada né?! Esse maldito ascendente em Câncer…) se perderam pelo caminho assim como minha primeira foto diante do Orloj…
Por coincidência, naquele 27 de outubro de 2021, quando escrevi pela primeira vez este texto, era aniversário de 87 anos da minha avó, a idade exata que tenho hoje.
(E eu só queria que na época ela se lembrasse de toda sua trajetória, como ainda me lembro…)
* (2/21) Este artigo mistura fatos, fantasias, e, claro, o fluxo de consciência, atendendo à tarefa que faz parte do desafio de 21 dias de escrita, proposto pelo Matheus de Souza.
Leia o texto 1 aqui