Psicologia Analítica,  Psicologia de Boteco

Sonhei com você

Quarta-feira, 10:46 da manhã

 

– Sonhei com você

 

– Hummmm… sei rs… conta!

 

– Eu tava num hotel em Curitiba com umas amigas, que era perto do seu apê, e você ficava piscando as luzes para falar comigo igual você fazia quando éramos adolescentes. Aí a gnt combinava de se encontrar pq eu tinha que te entregar um livro – todo surrado, de capa azul, algo me diz que era algum do García Marquez. No outro dia de manhã antes de eu ir embora a gente se encontrava rapidinho pra eu te dar o livro e eu voltava pra SP.

 

 

O silêncio em resposta demonstra a frustração do destinatário, que talvez esperasse algo mais… envolvente???

 

Já me contaram que dizer para alguém “sonhei com você” é uma variante do “oi sumido”. Mas para mim, Testemunha-de-Carl-Jung, o sonho é um porta voz do inconsciente, que revela o desconhecido dentro de nós de forma simbólica, então estou sempre atenta aos meus sonhos.

 

Von Franz diz que o entendimento dos sonhos conduz a uma mudança nos pontos de vista conscientes de coisas experimentadas como externas, assim como a uma mudança na concepção de nós mesmos. E o sonho de hoje veio cheio de símbolos e significados. A alusão à nossa forma de comunicação adolescente através da luz piscante pela janela me chamou atenção.

 

Nos conhecemos em 2001. Eu só sabia que você era o irmão do meu vizinho de 5 andares acima. Trocávamos “oi” e “e aí?” pelos halls e elevadores. O pessoal do prédio me perguntava “Você já conheceu o Thiago, irmão do André? Ele é muito gente boa”, eu respondia “só de vista”.

 

Curiosamente, passei a prestar mais atenção em você por conta de um sonho. Eu estava sentada na escada de entrada do hall do prédio, você chegava – com seu skate e aquela touquinha verde ridícula que fazia você parecer um gnomo – começava a conversar comigo, e me beijava. Esse sonho aconteceu 20 anos atrás e ainda me lembro dele… Curioso… Algum junguiano ON para analisar???

 

Naquelas férias viramos amigos e você me apresentou uma banda. Ouvíamos juntos em um disc-man surrado, que sempre pulava a faixa cinco do CD preto com uma faixa vermelha, que não tinha capa porque você tinha perdido. (Anos depois penei para encontrar esse disco para comprar. Precisava abrir caixinha por caixinha nas lojas, ainda mais porque o título impresso no disco não era o mesmo que constava no encarte).

 

Mas só nas férias seguintes, poucos dias depois dos nossos aniversários – veja só o destino, nasci um dia antes de você completar um ano – que ficamos pela primeira vez. E pelos cinco anos seguintes vivemos esse protótipo de romance sazonal.

 

Então eu entrei na faculdade, você teve um filho, te adicionei no Orkut, você me adicionou no Facebook, eu te adicionei no Instagram – Você faz fotos incríveis! Mas passamos todo esse tempo sem ter um verdadeiro contato, apenas éramos um rosto familiar de quem lembrávamos com carinho ali nas redes sociais (Exceto pela vez que, lá por 2009, te mandei um scrap “sonhei com você”, e sua namorada da época me escreveu um monte de desaforo em resposta – mas desse sonho eu não me lembro. Ah! Também teve aquela vez que você estava em São Paulo, e ligou na minha casa, e minha irmã secamente te disse que eu tinha saído com meu namorado…).

 

Há dois anos você puxou um papo qualquer em um story que fiz sobre aquela banda que você me apresentou há duas décadas. Voltamos a conversar. Você me adicionou no WhatsApp. Contamos sobre a vida. Veja só o destino, você se separou da sua esposa um dia antes de completar um ano que eu estava solteira. Ficamos muito próximos de novo, nos tornamos confidentes. “Precisamos marcar de se encontrar”. Mas você está sempre entre voos, e eu trabalho aos finais de semana (E na realidade, sei que você ainda está muito arredio a novas relações depois do divórcio…).

 

A última vez que tínhamos nos visto eu estava me mudando para o interior para cursar Educação Física, e você estava indo assumir as responsabilidades de ser pai. Hoje sou psicóloga, você é um explorador! Virou fotógrafo e ganha a vida documentando pessoas e cidades. Nas horas vagas você também é músico. Ainda gostamos daquela banda.

 

E então estou com você no Mato Grosso do Sul, e estamos indo de ônibus para Cuba. Você adora Cuba. Uma das suas fotos que mais gosto foi feita lá. Mas quando chegamos, não é possível desembarcar, e somos realocados para uma cidade vizinha. Nessa cidade tenho a sensação de estar em Paris, pois estamos nas escadas de Montmartre. No entanto, no horizonte vemos o mar e atrás de nós tem um castelo com várias bandeiras do Reino Unido. Você está sério, mas sereno. Tento te perguntar “Onde estamos?”, e como no primeiro sonho que tive com você, você me beija enquanto estamos sentados nas escadas.

 

Seríamos nós dois em Montmartre?

 

 

Acordo… Tomo nota do sonho com os sonhos dentro do sonho, confusa com a quantidade de histórias que meu inconsciente misturou nesta narrativa onírica… Checo o celular. Realmente te mandei uma mensagem na quarta feira às 10:46 da manhã: “Sonhei com você”. Mas acontece que hoje já é sexta (e você ainda não respondeu).

 

 

 

 

* (4/21) “Quando sonhamos, o inconsciente não tem censura nem filtros, por isso não existe enredo ou história certa ou errada, mas tudo é possível” – Este artigo faz parte do desafio de 21 dias de escrita, proposto pelo Matheus de Souza.

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