Fora de Quadro
No município vizinho à São Paulo no qual dei aula, decidiu se instalar um parque de diversões.
Quando eles chegaram ao campinho de futebol, que ficava exatamente ao lado da escola em que eu dava aula, todos ficamos incomodados! “Impossível trabalhar com esse barulho”, dizíamos. Além disso, as crianças todas se aglomeravam nas janelas das classes para ver o que estava acontecendo do lado de lá do muro. Para isso, muitas vezes elas precisavam subir nas mesas.
A construção do parque levou cerca de três enlouquecedoras semanas. “Desce já daí, menino!”. “Olha professora, vai ser uma roda gigante!!!”. “Miguel, desce da mesa agora!!!!”.
Ao fim desse período, o ruído silenciou (pouco depois começaram a construir um mercado bem em frente à escola, mas essa é outra história…). Mas a curiosidade das crianças – que em sua maioria nunca nem sequer tinham visto um parque de diversões antes – de ver o que tinha no para além do muro era imensa.
Em alguma segunda feira (ou quarta, ou sexta… não me lembro bem. Mas eu só dava aulas nesta escola nesses dias…), decidi levar às crianças ao parquinho – o da escola, não o de diversões, que tinha se tornado nosso vizinho. Vamos lá, todos em fila. Tínhamos que atravessar toda a extensão da pequena escola, mas já tínhamos feito aquele percurso centenas de vezes juntos. O que poderia dar errado?
Acontece que o parque – o da escola – ficava para a esquerda. E o parque – o de diversões – ficava para a direita. A minha fila de alunos sobreviveu por cerca de 13 segundos. As crianças correram para o portão lateral que dava para nosso estacionamento. Atrás dele estava o muro que separava a escola do carrinho de bate-bate, da montanha russa, e do barco viking.
Por um momento fiquei atônita. Como eu tinha perdido o controle da turma? Percebendo minha reação, a inspetora e a coordenadora, aos gritos, tentavam fazer com que aquelas crianças de 5 anos voltassem para a fila. Voltei os olhos para o que os pequenos apontavam gritando. “Uma roda-gigante, uma roda-gigante”. Relaxei. Tirei o celular do bolso, que nunca tinha sido usado durante o horário de trabalho. Fotografei a Roda-Gigante. Sorri para as crianças – “To vendo, é linda né?! Olha só tirei uma foto”. Assim elas voltaram para perto de mim. “Vamos sentar aqui, vou mostrar para todo mundo, um de cada vez”. Mas antes de me sentar na roda com meus 31 anjinhos, e brincarmos de imaginar o que cada um faria se estivesse no alto daquela Roda Gigante, tive que resgatar o Miguel, que já escalava a grade do portão para ver melhor o parque – o de diversões.
* (6/21) “As imagens têm o poder de congelar um instante passageiro, mas sempre deixam uma incógnita: o que estava acontecendo fora do quadro?” – Este artigo faz parte do desafio de 21 dias de escrita, proposto pelo Matheus de Souza.
Leia os outros textos aqui