Corporeidade,  Ser Mulher no Mundo

Uma inquietação sobre gordofobia e pressão estética

Pensei muito sobre fazer ou não fazer este post. Ele surgiu da inquietação com as “homenagens” à cantora Marília Mendonça, gordofobia e pressão estética, que ando vendo circular pela internet desde sexta feira.

 

Mas não queria pegar carona no holofote desta tragédia, da dor da perda, do sentimento de impotência, e do luto coletivo.

 

No entanto, acabei de ver mais uma dessas “homenagens” que dizia “ela fez tanto para chegar nesse shape lindo”, a 3ª ou 4ª com este tipo de fala bizarra que reduz uma mulher de 26 anos que morreu em uma fatalidade a um corpo que emagreceu.

 

 

Vi muitos posts também sobre a indignação com esses comentários. Vi mulheres falando sobre sua própria experiência. Vi um post de uma amiga aqui da internet, e entendi que deveria escrever, e que este texto não é sobre mim, apesar de ser minha narrativa.

 

“Essa sou eu aos 12” – minha amiga começa o post dela assim, e contando que sempre foi “gordinha”.

 

Essa sou EU aos 12. Eu não era gordinha. Eu era magra, era atleta. Significa que eu estava fora da régua crítica da fiscalização de corpos? Não!


Os fiscais de corpo já apontavam que eu não tinha peito, numa época em que Joana Prado era a referência a ser seguida (se vocês não são dessa época, deem um google aí). Eu tenho pouco peito até hoje, e tá tudo certo, mas nós estamos falando de quando eu tinha 12 anos. DOZE!!!

 

Diferente da minha amiga, eu fui magra durante a maior parte da minha vida. Hoje eu consigo identificar com clareza quatro momentos em que eu engordei significativamente ~ no ano do vestibular, logo após a formatura, naquele ano após tudo ter “dado errado”, e durante a pandemia. Conseguem identificar um padrão? Hoje eu sei que eu engordo em situações muito ansiogênicas.

 

Tem exatamente um mês que comecei a me arriscar a sair um pouco mais de casa (após tomar a 3ª dose da vacina), e a voltar a frequentar bares, exposições, museus, viajar… Estou revendo pessoas que não via desde 2019.

 

Esses dias postei essa lembrança nos stories da minha conta pessoal do Instagram. Eu tinha emagrecido cerca de 13kg nessa época. Fazendo terapia, e não dieta!

 

 

Foi quando ressignifiquei aquele ano em que tudo deu errado (entre outras coisas: terminei um relacionamento longo, perdi um amigo querido, fui mandada embora de um emprego que eu adorava, precisava me formar mas não aguentava mais – após 10 anos seguidos de formação universitária, o presidente já começava sua campanha, etc etc).

 

No story que eu fiz sobre essa lembrança eu exaltava a Bahia… ahhh Bahia, que saudades! Qual não foi minha surpresa em receber VÁRIAS mensagens de pessoas que me reencontraram recentemente comparando meu corpo na foto com meu corpo atual (pesando vários quilos a mais)??? Ninguém precisa avisar outra pessoa que ela engordou não. Nós sabemos.

 

Lembrei que nessa época eu notava que as pessoas tinham começado a me tratar diferente (melhor), porque eu tinha emagrecido. E olha que eu sou uma mulher que é magra para ser considerada gorda, e gorda para ser considerada magra.

 

Nós estamos em 2021, ensaiando os primeiros passinhos para fora de uma pandemia global, em que, só no Brasil, morreram cerca de 610 mil pessoas!!! E a preocupação das pessoas é a respeito de como o corpo das outras se parece.

 

A nossa preocupação ainda é ser avaliada pelo nosso corpo e aparência, que chega primeiro que a gente, que ganha um score de 0 a 10 antes mesmo de a gente ter oportunidade de mostrar quem somos.

 

E aqui eu entendo que este post não é só sobre mim. É sobre nós, mulheres. Sobre minhas amigas, minha irmã, minha mãe, minhas tias, minhas avós, minhas primas, minhas clientes…

 

Eu atendo na clínica TODOS OS DIAS mulheres que acreditam que foram demitidas por que engordaram, ou que não foram contratadas porque são gordas, ou que foram traídas porque “não se cuidaram”, ou que o carinha não quis ficar com ela porque ela estava “acima do peso”, ou que não conseguem vestir um short em um dia de calor, não se permitem curtir uma praia com a família, que já fizeram uma, duas ou três cirurgias plásticas para se sentirem mais aceitas, ou que ainda pretendem fazer, etc, etc.

 

Este post então é uma reflexão, a partir da minha narrativa, sobre uma sociedade gordofóbica e doente que em vez de combater a estrutura que fundamenta o comportamento alimentar (e de atividade física), a pressão estética, os profissionais de saúde que não promovem saúde ~ já tentaram te fazer tomar um remédinho para perder peso??? (Isso sem nem entrar no mérito da lógica do patriarcado, vamos deixar esta pauta para outro post…), e que se despede de Marília Mendonça com frases como “uma pena, justo agora que ela tinha emagrecido”.

 

 

~ Este texto também saiu em forma de post no @significativa_mente 

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