eles eram iguais…
É porque no fim, eles eram iguais mas estavam opostos…
Se despediram sem data de reencontro. Mas que diferença isso fazia, na atual circunstância? O espaço geográfico entre eles nunca fez diferença, na verdade, então porque isso fazia uma ruga aparecer na testa dela agora?
Ela abriu os olhos mas não quis se levantar, como o Eduardo, naquela canção. Estava há mais horas do que deveria contemplando o teto do quarto, tomada por uma leve tristeza resignada. Ainda sentia algo por ele, e ainda não sabia nomear. Sentia falta da amizade, era fato. Mas não era só isso…
Ele acordava de ressaca (talvez como a Monica após o conhaque no outro canto da cidade) no quarto de alguém que ele nunca sequer tinha mencionado para ela. Mas ela sabia, simplesmente sabia.
E então, ele estava bem, apesar de tudo.
Algo que estava trincado tinha terminado de se quebrar nele. Ela anteviu a situação há muito tempo. Era bastante perceptiva, e sua intuição às vezes urrava, quando ela prestava atenção. Andava atenta. E se preocupava com ele, eram grandes amigos, afinal. Mas ele não queria falar sobre isso, não com ela, pelo menos. Disse que estava se cercando de sua rede de apoio para ficar bem: família e amigos. E eles não eram amigos? Ela se ressentiu, apesar de não se sentir minimamente neste direito. A preocupação com ele era maior que o ressentimento, no entanto, embora estivessem mais afastados.
Um emaranhado de mulheres aconteciam e eram acontecidas na vida dele. As novas cutucavam feridas causadas pelas antigas, e ele sequer se dava conta. As novas também cutucavam feridas antigas dela. O sentimento de rejeição, de não ser escolhida. Até mesmo o lugar de onde vinham essas novas a faziam se lembrar de suas cicatrizes.
Ela se arrependia de ter aberto as portas para aqueles sentimentos que sequer sabia nomear. Já tinham falado sobre isso antes, e estavam de acordo sobre não trocar aquela amizade por qualquer outra relação entre eles, mas nesta vida é permitido mudar de ideias. Ela entendeu que ele tivesse mudado as dele, e se permitiu mudar também. Ela estava errada. Mesmo com todas as circunstâncias mostrando o contrário. E passado um tempo ela soube que não estava tão atenta quanto acreditava que estava aos sinais de que não deveria se jogar nessa situação. Por Deus, eles tinham uma amizade deliciosa, as coisas deveriam ter permanecido daquela forma, ela pensava. Os grandes mal entendidos da vida…
Eles estavam conversando de novo… ela puxou um assunto que foi se desdobrando durante grande parte do dia, como há algum tempo não acontecia. Algo no que ela disse na conversa remeteu à estranha situação que tinha ficado entre eles dois, mas ambos fingiram não notar. O importante era saber que ele estava se sentindo bem, após um período turbulento, embora ela agora sentisse dificuldade de encontrá-lo naquelas novas mensagens.
“Estou aberto” foi o que ele comentou, parecendo ressurgir de uma cura interior brutal, e “você deveria se jogar mais” foi o conselho que deu para ela, em paralelo. Ela entendeu que essas duas frases estavam relacionadas, e digeriu a ideia por uns dias. Cautelosa, pensou – até a cabeça doer – na situação e por fim sorriu. Tudo parecia um sinal positivo para um novo início.
Ele estava empolgado com a vida. Com as possibilidades que o novo momento traziam. Isso a contagiou. Ela gostava de vê-lo com brilho nos olhos. Se perdiam e se achavam em conversas intermináveis, compartilhando as vivências e vicissitudes da vida, alinhados a um modo de ser e de ver o mundo bastante semelhantes.
Ela era deserto, ele era oceano. No entanto eles eram iguais.
Só precisavam se encontrar, como o Skeleton Coast, na Namíbia, onde o deserto encontra o oceano Atlântico.
Mas às vezes os fins são os começos, e provavelmente você criou alguma expectativa até aqui. Só que, como naquele filme, onde as expectativas se mostram desalinhadas, esta não é uma história de amor, é uma história sobre amor.
E reza a lenda que ela aconteceu de baixo para cima, na verdade… (leia de novo, do fim para o começo)
* (10/21) “De trás para frente” – Este artigo faz parte do desafio de 21 dias de escrita, proposto pelo Matheus de Souza.
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